Por Folha
A agricultora Severina Maria da Silva, 44, foi absolvida pela Justiça de Pernambuco no dia(25).
Ela era acusada de ter encomendado a morte do pai, Severino Pedro de Andrade, de quem engravidou 12 vezes e teve cinco filhos durante os 29 anos em que foi vítima de abusos sexuais por parte dele.
O júri popular acatou a tese da defesa, de inexigibilidade de conduta diversa, ou seja, de que a ré não poderia ser condenada porque foi coagida desde a infância e agiu sem ter outra opção.
Severina, que vive na zona rural de Caruaru (136 km de Recife), começou a ser estuprada aos nove anos de idade e, em 2005, contratou dois homens para matar o pai, ao perceber que ele assediava uma de suas filhas-netas.
No julgamento, até a Promotoria pediu a absolvição da acusada. Os dois assassinos, Edilson Francisco de Amorim e Denisar dos Santos, foram presos, julgados e condenados. Eles cumprem pena em Caruaru.
VEJA O DEPOIMENTO DE SEVERINA:
Meu pai não deixava eu e minhas irmãs fazermos nada. Toda a minha vida eu sofri. Comecei a trabalhar na roça ainda menina, com seis anos, arrancando mato.
Aos nove, fui com meu pai para o roçado. No caminho, ele me levou para o mato, amarrou minha boca com a camisa, me jogou de cabeça e tentou ser dono de mim. Eu dei uma pezada no nariz dele, e ele puxou uma faca para me sangrar.
Em casa, contei para minha mãe e ela me deu uma pisa. Fiquei sem almoço.
No outro dia, fui andar e não pude. Falei: Mãe, isso é um pecado, é horrível. E ela: Não é pecado. Filha tem que ser mulher do pai.
A partir daquele dia, três dias por semana, ele ia abusando de mim. Com 14 anos, eu engravidei. Tive o filho, e ele morreu. Eu tive 12 filhos com meu pai. Sete morreram. Seis foram feitos na cama da minha mãe. Dormíamos eu, pai e mãe na mesma cama.
Só ficamos eu e meu pai na casa. Eu tinha 21 anos, e ele sempre batia em mim. Tentei me matar várias vezes, botei até corda no pescoço.
Eu falei: Seu cabra da peste, está escrito na minha testa que eu sou Maria-besta? Eu sou filha de Maria, mas besta eu não sou. E ele: Rapariga safada, Maria era mulher para todo acordo. E tu, não tem acordo?
Eu respondi: Ô pai tarado da peste, se você ameaçar a minha filha, você morre. Ele foi para a feira e eu, para a casa da minha tia. Lá, mostrei meu corpo lapeado, o olho roxo, o ouvido estourado.
Peguei um dinheiro que tinha guardado, fui para Caruaru e, na casa do Edilson, paguei R$ 800 na hora.
Quando o pai chegou, o Edilson veio acompanhando. Foi quando acabou a vida dele. O rapaz arrumou um amigo e fez o homicídio. A faca que ele havia comprado, interessado na minha vida, ele morreu com ela.
Antes disso, eu ainda procurei os meus direitos, mas perdi. Há uns 15 anos, fui na delegacia, mas ouvi o delegado falar para eu ir embora e morar com o velhinho (o pai), que era uma boa pessoa.
O homicídio foi no dia 15 de novembro de 2005. No cemitério, já tinha um carro de polícia me esperando. Na cadeia, passei um ano e seis dias. Fiquei no castigo, depois fui para uma cela.
Depois do julgamento, fiquei feliz. Antes, pensava na liberdade e na cadeia ao mesmo tempo. Agora, quero viver e ficar com meus filhos. Quero que minha história sirva de exemplo, para que os pais e as mães procurem respeitar os seus filhos, ser amigos deles. A gente é pobre, mas pobreza não é desonra. Desonra é o cara fazer do próprio filho um urubu.
A partir de hoje eu quero é viver, porque tenho muita coisa para aproveitar pela frente. Tenho a liberdade e os meus filhos comigo.
Fonte: Folha
FÁBIO GUIBU
DE RECIFE
Ela era acusada de ter encomendado a morte do pai, Severino Pedro de Andrade, de quem engravidou 12 vezes e teve cinco filhos durante os 29 anos em que foi vítima de abusos sexuais por parte dele.
O júri popular acatou a tese da defesa, de inexigibilidade de conduta diversa, ou seja, de que a ré não poderia ser condenada porque foi coagida desde a infância e agiu sem ter outra opção.
Severina, que vive na zona rural de Caruaru (136 km de Recife), começou a ser estuprada aos nove anos de idade e, em 2005, contratou dois homens para matar o pai, ao perceber que ele assediava uma de suas filhas-netas.
No julgamento, até a Promotoria pediu a absolvição da acusada. Os dois assassinos, Edilson Francisco de Amorim e Denisar dos Santos, foram presos, julgados e condenados. Eles cumprem pena em Caruaru.
VEJA O DEPOIMENTO DE SEVERINA:
Eu nunca estudei, nunca tive amiga, nunca arrumei um namorado na vida, nunca saí para ir a uma festa. Até os 38 anos, vivi assim, e foi assim até quando me desliguei do meu pai, no dia em que ele foi morto.
Meu pai não deixava eu e minhas irmãs fazermos nada. Toda a minha vida eu sofri. Comecei a trabalhar na roça ainda menina, com seis anos, arrancando mato.
Aos nove, fui com meu pai para o roçado. No caminho, ele me levou para o mato, amarrou minha boca com a camisa, me jogou de cabeça e tentou ser dono de mim. Eu dei uma pezada no nariz dele, e ele puxou uma faca para me sangrar.
Em casa, contei para minha mãe e ela me deu uma pisa. Fiquei sem almoço.
À noite, minha mãe foi me buscar e me levou para ele. Me botou de joelhos na cama, tampou minha boca com o lençol e pegou nas minhas pernas para ele pular em cima. Eu dei um grito e depois não vi mais nada.
No outro dia, fui andar e não pude. Falei: Mãe, isso é um pecado, é horrível. E ela: Não é pecado. Filha tem que ser mulher do pai.
A partir daquele dia, três dias por semana, ele ia abusando de mim. Com 14 anos, eu engravidei. Tive o filho, e ele morreu. Eu tive 12 filhos com meu pai. Sete morreram. Seis foram feitos na cama da minha mãe. Dormíamos eu, pai e mãe na mesma cama.
Só ficamos eu e meu pai na casa. Eu tinha 21 anos, e ele sempre batia em mim. Tentei me matar várias vezes, botei até corda no pescoço.
Os filhos nasciam e morriam. Os que vingavam foram se criando. Minha filha estava com 11 anos quando ele quis ser dono dela. Falou assim: Nenê está engrossando perninha? Tá saindo peitinho, enchendo a melancia? Tá bom de experimentar, que é para ir se acostumando. E tacou a mão nela.
Eu falei: Seu cabra da peste, está escrito na minha testa que eu sou Maria-besta? Eu sou filha de Maria, mas besta eu não sou. E ele: Rapariga safada, Maria era mulher para todo acordo. E tu, não tem acordo?
Eu respondi: Ô pai tarado da peste, se você ameaçar a minha filha, você morre. Ele foi para a feira e eu, para a casa da minha tia. Lá, mostrei meu corpo lapeado, o olho roxo, o ouvido estourado.
Peguei um dinheiro que tinha guardado, fui para Caruaru e, na casa do Edilson, paguei R$ 800 na hora.
Quando o pai chegou, o Edilson veio acompanhando. Foi quando acabou a vida dele. O rapaz arrumou um amigo e fez o homicídio. A faca que ele havia comprado, interessado na minha vida, ele morreu com ela.
Antes disso, eu ainda procurei os meus direitos, mas perdi. Há uns 15 anos, fui na delegacia, mas ouvi o delegado falar para eu ir embora e morar com o velhinho (o pai), que era uma boa pessoa.
O homicídio foi no dia 15 de novembro de 2005. No cemitério, já tinha um carro de polícia me esperando. Na cadeia, passei um ano e seis dias. Fiquei no castigo, depois fui para uma cela.
Depois do julgamento, fiquei feliz. Antes, pensava na liberdade e na cadeia ao mesmo tempo. Agora, quero viver e ficar com meus filhos. Quero que minha história sirva de exemplo, para que os pais e as mães procurem respeitar os seus filhos, ser amigos deles. A gente é pobre, mas pobreza não é desonra. Desonra é o cara fazer do próprio filho um urubu.
A partir de hoje eu quero é viver, porque tenho muita coisa para aproveitar pela frente. Tenho a liberdade e os meus filhos comigo.
Fonte: Folha
FÁBIO GUIBU
DE RECIFE
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