Lembro bem – e isso não faz muito tempo – que os pobres podiam comprar alimentos, tinham o prazer de chegar numa venda e pedir um quilo disso ou daquilo. Existia até produtos voltados quase que exclusivamente para as classes de pouco ou quase nenhum poder aquisitivo.
Ora, o bacalhau era tão nordestino como o umbu e a carne seca. Nos balcões de pinga e de lapada, dificilmente a pessoa pedia uma talagada para não colocar a mão no fardo ali ao lado e puxar uma lasquinha como tiragosto. Hoje em dia não só está totalmente inacessível como praticamente não existe mais por lá. Aquilo que fazia parte do dia a dia, comprado como outra comida qualquer, se tornou com preço exorbitante e luxuoso demais para a mesa do pobre.
Para se ter uma ideia, carne de galinha hoje em dia só come ou quem tem criatório próprio ou pode dispor de uma exorbitância por um quilo de pé e asa. Não faz muito tempo e nem existia esse negócio de vender galinha cortada, por partes, crescendo o valor segundo seja frango de capoeira, de postura ou de granja, bem como as partes que a pessoa pretenda obter.
Quando chega o período da quaresma, entrando pela semana santa, então é um deus-nos-acuda mesmo. Qual o pobre que pode compra peixe, bacalhau, camarão? O leite de coco engarrafado é caro e não vale nada, o coco ralado não rende nada e é caro demais. Então, qual a saída para o pobre na semana santa, este mesmo acostumado que era a se fartar de surubim grande e gordo, vermelha, bacalhau, camarões graúdos, maxixada com camarão, catado, frigideira de siri mole?
Como observado, não há como continuar mantendo a tradição de na semana santa adquirir somente pescado para a alimentação. A própria igreja há muito que reconheceu a impossibilidade de a classe mais humildade preservar essa cultura de abstenção do consumo de outros alimentos. E fez isso porque sabe que não pode dizer que é pecado o pobre comer aquilo que tem.
E muitas vezes não tem realmente nada. E nada é o jejum forçado na eterna semana santa da sobrevivência.
Por Rangel Alves da Costa*
Poeta e cronista
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